O dia 13 desse mês marcou o final da rádio Transamérica no formato que a consolidou, depois de quase 50 anos no ar.
Apesar de não ter mais um blog pra falar sobre rádio e TV, quero comentar essa mudança por aqui não só pelo momento histórico, mas também pela relação que isso tem com as mudanças na nossa forma de consumir rádio e música ao longo do tempo.
O começo austero

Como todas as primeiras FMs, a Transamérica nasceu com uma programação formal, sem locução ao vivo, direcionada ao público das classes A/B. Nessa época, ela não estava nem entre as dez emissoras mais ouvidas em São Paulo.
Leia matéria da revista Veja de 1984 sobre a ascensão do FM com ranking de audiência da época
Tesão e auge

Anúncio publicado na Folha de S.Paulo em 24 de setembro de 1987.
Reprodução midiaclipping
Em 1985, à medida que o FM foi ganhando relevância e audiência, a Transamérica mudou de identidade visual e formato, trazendo locução ao vivo, interação com o público, humor, linguagem informal e programação musical de sucessos do momento, se aproximando do que concorrentes como Jovem Pan e Cidade faziam.
Esse formato foi executado com tanta competência e com tantas inovações pela Transamérica que, cinco anos depois, ela já era líder de audiência em São Paulo e inaugurava a primeira rede de rádios com transmissão simultânea via satélite para todo o país.
Divisão e descaracterização
Mas o raio não caiu duas vezes no mesmo lugar. O mercado seguiu mudando, com rádios do formato popular ganhando mais força no decorrer dos anos 90. A Transamérica, então, trouxe uma mudança que considero o começo do fim: dividiu a rede em três formatos, que eles chamavam de “portadoras”: Transamérica Light (adulto-contemporâneo), Transamérica Hits (popular) e Transamérica Pop (jovem – a rede principal).

Pop, Hits e Light: uma Transamérica, três formatos
O problema é que a rede Hits começou a canibalizar os outros formatos. Várias afiliadas, principalmente em cidades do interior, migraram de Pop pra Hits – em poucos anos, esse já era o formato de maior alcance. Mas as emissoras próprias em capitais de estado (leia: onde existem os maiores mercados e anunciantes) continuaram Pop. A única exceção foi em Belo Horizonte, Hits desde 2002.
Só que a Transamérica Pop, apesar de ser a rede principal, já não era a que tinha nem a maior cobertura e nem a maior audiência.
A solução? Ampliar o espaço do futebol na grade da rede Pop, ao mesmo tempo que flexibilizava o modelo de transmissão via satélite, adaptando a programação musical de acordo com a realidade de cada cidade. Isso fez com que, por exemplo, Brasília tocasse mais rock e Salvador abrisse espaço para a axé music e pagode baiano, mesmo não sendo uma Transamérica Hits.
Tentativa de retomada
Em 2019, saem de cena as Transaméricas Hits e Light – essa última já sem nenhuma afiliada – e entra um novo formato, o jovem-adulto, como comentei em uma playlist meses atrás.
É claro que a relevância da antiga Transamérica Pop já não era a mesma e que muitas das afiliadas que migraram para a Transamérica Hits nos anos 2000 não continuaram com a marca nessa nova fase. A Transamérica até reinventava o formato clássico, mas sem a mesma força de antes.
Também não custa comentar que esse formato novo chegou, mas não chegou: o futebol já ocupava a maior parte da programação, e parte dessa nova fase ainda teve conteúdo da CNN Brasil todo dia pela manhã entre 2020 e 2023.
Em Curitiba, a Transamérica Light ainda ficou no ar como Light FM até 2021, quando foi substituída pela CBN.
O gato subiu no telhado
Em 2020, o banqueiro Aloysio Faria, dono da Rede Transamérica, morreu, e suas herdeiras diretas começaram a se desfazer do patrimônio – que, além da rádio, tinha as lojas C&C, o Banco Alfa, Teatro Alfa, os Hotéis Transamérica, os sorvetes La Basque e até a água Prata.
A primeira emissora própria da Transamérica a ser vendida foi a de Salvador, no ano passado, que se afiliou à Antena 1. Em fevereiro desse ano, o Grupo Camargo (das rádios Alpha, 89 e Disney) comprou o resto da rede. E colocou no ar a nova TMC – Transamérica Media Company.

Logo da TMC
Ao confirmar oficialmente a mudança para TMC, em entrevista à coluna da Mônica Bergamo na Folha, no final do mês passado, o novo dono, João Camargo, prometeu uma rádio disruptiva, com “umas 500 (!) afiliadas” pelo Brasil.
E o que isso tem a ver com o nosso consumo de música no rádio?
Antes de qualquer coisa, a gente precisa situar que a geração X (nascidos entre 1965 e 1980) cresceu ouvindo FM e os Millenials (nascidos entre 1981 e 1996) foram os últimos a ouvirem música no rádio antes de MP3, YouTube e streaming.
Daria pra criar uma rádio disruptiva e musical? Eu acredito que sim. Podiam, por exemplo, mirar nesse público que ouviu a Transamérica “número 1 via satélite e mais ouvida do Brasil” e apostar numa programação musical de clássicos e lados B do pop/rock dos anos 80 aos 2000 com uma plástica jovem, a mesma linguagem irreverente do auge e até com alguns nomes que marcaram a história da emissora na equipe. Era questão de ver qual a relação desse público com a marca hoje e que sentimentos guarda sobre aquela escuta de rádio que se tinha antes do streaming.
Só que o diferencial – e o foco – precisava estar numa coisa que já não funcionava muito bem nos últimos anos da Transamérica: a programação musical.
Já comentei em algumas playlists sobre o costume de evitar músicas excessivamente marcantes em rádios pensadas pra ouvir o dia inteiro – tem mais sobre aqui e aqui -, mas esse não precisava ser o caminho para a Transamérica. A programação poderia ser mais ousada, abraçar de verdade um público e não tentar agradar a gregos e troianos na mesma sequência.
Nos últimos dias de rede, por exemplo, numa mesma sequência que tocou “The Look of Love”, do ABC (um quase Lado B do começo dos anos 80), tocou um Pop atual voltado pra Geração Z. É legal misturar, apresentar música? Claro! Mas será que a maioria das pessoas que conhece uma coisa tá necessariamente disposta a conhecer a outra?
Ainda nesses últimos dias, o “Big Hits”, parada musical diária, colocou “Na Moral”, do Jota Quest, como segunda música mais pedida. Quem sou eu pra duvidar, mas quem sou eu pra acreditar?
Acredito que ainda existem formatos musicais a serem explorados no rádio, mesmo com a concorrência direta entre o streaming, onde a gente escolhe o que quer ouvir em tempo real. Que tal, por exemplo, uma programação com a marca da Transamérica e a cara da antiga Play FM, só que trocando Fábio Jr., Air Supply e É o Tchan por mais Depeche Mode, a-ha, Madonna, New Order, Daft Punk, Duran Duran, Information Society, Michael Jackson, Amy Winehouse, Lulu Santos, Rita e Roberto, Cássia Eller, Barão Vermelho com o Cazuza e, de repente, até um Jorge Ben Jor e Tim Maia pra dar uma surpreendida?
Com todo o respeito e carinho, mas não dá pra ficar numa coisa muito batida e muito morna ao mesmo tempo o tempo todo; não dá pra ser a rádio que toca o que o público NÃO procura no streaming porque já tá saturado.
Tá, mas é isso que se espera do rádio hoje?
Sinceramente, não sei se essa pergunta foi feita por alguém, mas também não tenho a resposta. Até eu, que adoro ouvir música em rádio, escuto música muito mais nos meus discos e playlists do que no rádio.
O fim da Transamérica é triste pelo desperdício da marca e, consequentemente, de parte da sua história, e também pela forma como isso foi feito: foram 13 dias entre a confirmação da mudança de nome e a estreia. Pra você ter uma ideia, até o dia em que tô postando esse texto, tem programação provisória com a marca Transamérica gerada pela matriz para as afiliadas que ainda não decidiram se migram ou não para a TMC.
Pra que tanta pressa? Por que não usar a própria rede pra divulgar o novo projeto e preparar uma transição mais suave? Ou pelo menos encerrar a rede ao mesmo tempo pra ter tempo de ter uma despedida, uma programação especial com reprises do “Estúdio ao vivo” e/ou versões exclusivas de músicas, que já foram marca registrada da rádio?
Apesar de tudo, não dá pra desconsiderar que a ideia da TMC possa estar mais alinhada com o que tem mais procura no rádio de hoje do que a Transamérica estava nos últimos anos. Se vai ser disruptiva ou tão inovadora quanto foi a antiga Transamérica em 1985, a gente só vai saber com o tempo.
A gente só sabe que as próximas mudanças vão acontecer num ritmo mais rápido do que foi até aqui.

